domingo, 29 de novembro de 2015

Assembleia Distrital de Lisboa: que fazer com estes arquivos?



Intervenção de Ermelinda Toscano no Encontro que a imagem identifica.

«…Em 1989, a revisão da Constituição retira os Governadores Civis das Assembleias Distritais e a reforma concretiza-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro. Um regime jurídico que, no entanto, trouxe mais problemas do que soluções porque se, por um lado, o legislador atribui às Assembleias Distritais personalidade jurídica e capacidade judicial e lhes confere autonomia administrativa e patrimonial própria, por outro lado, ao deixá-las com uma estrutura orgânica indefinida (onde não há a clara separação entre funções deliberativas e executivas), esvaziá-las das atribuições mais relevantes, deixar-lhes escassas competências, impedi-las de serem comparticipadas via Orçamento do Estado e proibi-las de contraírem empréstimos, transforma-as num verdadeiro anacronismo da Administração Pública que nem a tutela sabe como classificar, embora as equipare a autarquias locais.
Contudo, os principais motivos do desinteresse dos autarcas por estas estruturas (em particular dos presidentes de câmara) ao longo dos últimos mais de vinte anos foram, nomeadamente:
a) A importância crescente das associações de municípios e a facilidade de, através delas, acederem a fundos comunitários para realização de projetos intermunicipais;
b) A obrigação de pertencer à Assembleia Distrital;
c) A gratuitidade do desempenho de funções como membro da Assembleia Distrital;
d) O dever de suportar os encargos de funcionamento dos Serviços.
Em 1991, na iminência de perder a gestão do vasto e valioso património predial que a Assembleia Distrital de Lisboa herdara das suas antecessoras, o Governo Civil cria uma Comissão (dita dos ex-Serviços) permitindo-lhe continuar a administrar esses bens (mais de oitocentos prédios: cerca de 200ha de terrenos rústicos, dezenas de quintas seculares, dois bairros sociais com centenas de frações habitacionais e vários edifícios de serviços públicos, dois deles no centro de Lisboa, com nove pisos, caves e estacionamento privativo) e a negociar com a Junta Autónoma de estradas as avultadas indemnizações (de vários milhões de euros) pela passagem da CRIL nos terrenos da Pontinha, deixando à Assembleia Distrital apenas a Biblioteca. O Arquivo e o Museu Etnográfico ficaram também, sem qualquer justificação, retidos no Governo Civil.
Apesar da Assembleia Distrital ter contestado em Tribunal o despacho do Governo que formalizou aquele confisco, o estar impedida de aceder ao Arquivo (nomeadamente aos Livros de Notas do Notário Privativo) e a outros meios de prova adequados (atas e documentos da contabilidade, por exemplo), fez com que em 1998 o processo acabasse por transitar em julgado dando-se como válida a passagem para o Governo Civil de todo aquele vasto património predial cujos registos, mercê das muitas irregularidades cometidas durante o processo de transferência, nunca foi possível alterar até ao presente.
É neste tipo de Arquivos, embora muitas vezes secundarizados ou até menosprezados, que encontramos o substrato da nossa Administração Pública mas, também, os elementos probatórios necessários em processos judiciais. Eles são peças essenciais na luta pela prevenção da fraude, contra a corrupção, e a sua organização, conservação e divulgação tem de merecer mais atenção dos responsáveis devendo a sua gestão integrada constituir o eixo estruturante de toda e qualquer política sobre transparência governativa (do Estado e das autarquias).
Na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, e como atrás já referimos, a Assembleia Distrital de Lisboa foi desapossada de todo o seu vasto património móvel e imóvel, à exceção da Biblioteca dos Serviços de Cultura, em favor do Governo Civil tendo sido criada uma Comissão específica para gerir esses bens, visando satisfazer pretensões pessoais do Vice-Governador Civil (Machado Lourenço), com o aval do Governador Civil (Moura Guedes), o apoio do Secretário de Estado da Administração Local (Nunes Liberato) e a concordância do Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro) e do 1.º Ministro (Cavaco Silva).
Em resultado de uma polémica interpretação do citado diploma, a Assembleia Distrital de Lisboa ficou desprovida de quaisquer rendimentos patrimoniais e viu-se impedida de aceder a toda a documentação de gestão administrativa corrente dos anos anteriores. E porquê? Porque o Governo entendeu, por conveniência própria, que estas entidades (as Assembleias Distritais) tinham sido “extintas” operando-se, em simultâneo, a “criação” de novas estruturas com a mesma designação mas que em nada eram herdeiras das anteriores.
Acontece, porém, que esta inusitada situação apenas aconteceu no Distrito de Lisboa e a respetiva Assembleia Distrital foi a única das 18 existentes a nível nacional que teve de iniciar a sua atividade a partir de 1991 como se fosse um organismo sem passado, acabado de instalar. Estranhamente deixaram-lhe a cargo, contudo, parte dos Serviços de Cultura (cuja história tinha mais de duas décadas) e cerca de uma dezena de funcionários afetos ao seu quadro privativo de pessoal.
Entretanto, passou-se mais uma década em que o Distrito de tema indesejado passou a completo tabu e as Assembleias Distritais ficaram arredadas da discussão política. Até que apareceu a Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, que veio retirar às Assembleias Distritais capacidade judicial ativa e esvaziá-las de quaisquer atribuições obrigando-as a providenciar a transferência das suas Universalidades para novas Entidades Recetoras. Sem estrutura orgânica, impedidas de assegurar serviços, proibidas de manter trabalhadores e gerir património, transformaram-se em meros órgãos deliberativos autárquicos sem qualquer utilidade prática para os municípios que delas se desinteressaram em definitivo, nalguns casos mesmo antes de concluído o procedimento de transferência das respetivas Universalidades tendo sido o Estado a encetar os trâmites previstos na lei.
Apesar da Assembleia Distrital de Lisboa ter deliberado, atempadamente, transferir a sua Universalidade para o Município da capital, a Câmara Municipal acabou por rejeitar receber os equipamentos culturais (Arquivo, Biblioteca e Museu) alegando a sua falta de interesse devido às caraterísticas e ao estado de conservação dos acervos (uma decisão baseada em falsos pressupostos e não sustentada tecnicamente como mais tarde se veio a confirmar).
Depois da Área Metropolitana ter também recusado receber a Universalidade da Assembleia Distrital, supostamente por razões semelhantes às da Câmara Municipal da capital, ficamos com a certeza de que para estes autarcas o património arquivístico, biblioteconómico, editorial e museológico que aqui estava em causa era um fardo demasiado pesado que apenas seria suportável se tivesse como contrapartida a entrega do valioso património predial registado em nome da entidade (avaliado em mais de quarenta milhões de euros) mas que o Estado reclama como seu por alegadamente ter sido transferido para o Governo Civil em 1991.
Contudo, ao Governo da época (1991) apenas interessavam os cerca de 200ha de terrenos rústicos que fragmentou em centenas de lotes urbanos para construção e/ou indústria (embora se tratasse de loteamentos ilegais não reconhecidos pela autarquia até ao presente por se tratar de zonas geologicamente instáveis, leitos de cheias e até áreas classificadas de RAN e REN), como o demonstra o abandono a que votou o património edificado, sinónimo de uma gestão negligente e até danosa, bem visível nas imagens que a seguir se apresentam.»

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