sábado, 14 de novembro de 2015

Da tradição à revolução: que fazer com o Distrito? Parte 1.

O farol de Cacilhas. Fotografia de Ermelinda Toscano


«Para começar este capítulo, escolhemos as palavras de Alberto Avelino proferidas no I Encontro Nacional Distritos 2000 – Pensar o Amanhã (Lisboa, 9 de Novembro de 2000), por apresentarem uma súmula clara das motivações que levaram ao abandono generalizado das estruturas distritais:

“Com o advento da democracia, será a primeira Constituição Portuguesa, no pós 25 de Abril, a relembrar a necessidade da reforma administrativa do país, relegando o distrito para um “vazio” administrativo e político, enquanto não fossem instituídas em concreto as regiões administrativas.
Reformar a velha administração, herdada de um quadro político autoritário, torna-se imperiosa para a jovem democracia, que vê no distrito uma herança centralista não compaginável com um ideário assente numa democracia de poder local. (...)
Com esta inovação estava criada a ruptura entre o distrito e a assembleia distrital, que pela sua composição encerra o princípio democrático da representatividade dos autarcas eleitos no distrito. Pelo próprio leque de competências das assembleias distritais, sobretudo no âmbito da Cultura e Educação, torna-se visível a tentativa de esvaziar, completamente, os órgãos distritais, sobretudo na sua componente económica face à ascensão de uma política de planeamento e de gestão financeira, em torno das comissões de coordenação regionais, dotando estes serviços, ocupados por elites técnicas de nomeação, de poderes acrescidos face aos eleitos locais.”

Seguindo essa linha de pensamento, a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro (que veio regular a organização e o funcionamento das autarquias locais), vem confirmar a orientação constitucional de, transitoriamente, manter o distrito até à instituição das regiões, e, mais tarde, estabelece-se que as Assembleias Distritais serão dotadas «através de uma verba anualmente transferida do Orçamento Geral do Estado» (n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro – que veio disciplinar as finanças locais), para suportar o regular funcionamento dos Serviços que lhes estão adstritos.

Decorridos sete anos, a lei das autarquias locais é revista e publicado um novo regime global traduzido no Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (que veio revogar a Lei n.º 79/77), o qual deixa de fazer qualquer referência ao distrito, sendo a explicação apresentada no seu preâmbulo: “... face à sua não caracterização como autarquia local, mas apenas como unidade administrativa territorial de natureza distinta...”.

Razões estas que o legislador não considerou como válidas a quando da elaboração do novo regime das finanças locais pois, contrariamente à ausência anterior, o n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, mantém uma redacção quase idêntica à da Lei n.º 1/79, no que se refere às finanças distritais: “Enquanto as regiões administrativas não estiverem instituídas, os distritos são dotados através de uma verba anualmente transferida do Orçamento do Estado e cujo montante corresponde ao das receitas arrecadadas pelos cofres privativos dos governos civis”, regra esta que se manteve quando este diploma foi revogado pela Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro (n.º 3 do artigo 29.º).

De notar que, embora o preceito referente às finanças distritais se tenha mantido após a revisão da lei das finanças locais através da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 36.º, aquela regra apenas se aplica ao caso dos Governos Civis já que a partir de 1991, por força do estabelecido no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro, as Assembleias Distritais não podem receber quaisquer transferências do Orçamento de Estado, a nosso ver injustamente.

Dois outros diplomas importa referir, igualmente, pelos reflexos que tiveram no funcionamento das Assembleias Distritais, sobretudo em matéria de recursos financeiros e redução de atribuições funcionais, atendendo à incapacidade que estas estruturas vinham a demonstrar para desenvolver determinadas actividades:

A) O Decreto-Lei n.º 285/85, de 23 de Julho – que permitiu às Assembleias Distritais deliberarem sobre quais os Serviços que pretendiam, efectivamente, continuar a assegurar, fixando quadros de pessoal próprios para o efeito, e transferir para a órgãos desconcentrados da Administração Central “as actuações do foro do fomento, segurança social e saúde”. Conforme o n.º 3 do artigo 1.º, a partir de 1986 os encargos com as remunerações e demais abonos do pessoal afecto aos Serviços adstritos às Assembleias Distritais passariam a ser suportados, exclusivamente, por verbas postas à disposição dos distritos pelos municípios.
B) A Lei n.º 14/86, de 30 de Maio – que veio revogar a legislação anterior, mantendo a mesma disciplina em termos de conteúdo mas alargando os prazos para as Assembleias Distritais deliberarem sobre os Serviços a transferir e a prosseguir. Mais estabelece que o pessoal que integrar os quadros privativos “ficará sujeito ao regime jurídico do pessoal da administração local” (n.º 5 do artigo 1.º). Quanto às finanças distritais, o n.º 6 do artigo 1.º passou a consignar que os encargos com a manutenção dos Serviços e pessoal passassem a ser suportado “em partes iguais, por participações dos municípios respectivos, de acordo com os critérios de repartição fixados pela assembleia distrital e pelo Orçamento de Estado”.

Mas foi com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro, e a interpretação retroactiva que a Declaração de Rectificação n.º 5/91, de 31 de Janeiro, veio dar ao artigo 15.º do referido diploma, permitindo a transferência imediata de Serviços e pessoal para a gestão dos Governos Civis, um acto inconstitucional que, na opinião de Rui Machete(1), atentou “contra a autonomia das Assembleias Distritais, enquanto órgãos com carácter deliberativo, constitucionalmente reconhecido, bem como contra a sua natureza autárquica, provocando em muitos casos um verdadeiro esvaziamento, não esperado e não pretendido, do património das Assembleias Distritais em favor do Poder Central”, que se assinou, em definitivo, a “sentença de morte” destas estruturas de génese autárquica.

Desprovidas da quase totalidade do seu património, sem Serviços e pessoal suficiente para satisfazer as poucas atribuições que lhes restavam, sem receber qualquer transferência do Orçamento de Estado e impossibilitadas de contrair empréstimos (mesmo de curto prazo, para resolver problemas de falta de liquidez de tesouraria), as Assembleias Distritais ficaram na dependência exclusiva das comparticipações dos municípios para poderem desenvolver as suas actividades, o que acabou por agravar ainda mais a sua precária situação. Paralelamente, o desinteresse dos autarcas foi crescendo e, aos poucos, foram deixando de participar nas reuniões do órgão deliberativo.

A nível nacional, nove das dezoito Assembleias Distritais existentes acabaram por ficar sem Serviços nem pessoal e embora algumas ainda reúnam esporadicamente, é como se tivessem sido extintas, dada a inactividade em que se encontram. Estão nessa situação: Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do Castelo.

Todavia, outras nove deliberaram ficar com Serviços e pessoal e, apesar de todas as dificuldades de que já se falou, continuam a exercer as limitadas atribuições que lhes restam, sobretudo na área sociocultural: Beja (Museu Rainha D. Leonor), Castelo Branco (Colónia Balnear da Areia Branca), Faro (Museu Regional do Algarve), Lisboa (Serviços de Cultura: Biblioteca, Edições e Núcleo de Arqueolo­gia), Santarém (Colónia Balnear da Nazaré), Setúbal (Museu de Arqueologia e Etnografia) e Porto, Vila Real e Viseu, apenas com Serviços Administrativos.

Na origem do tratamento indiferente com que os autarcas olham para estas entidades, poderá estar também o princípio da gratuitidade das funções exercidas na Assembleia Distrital (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 5/91) e que proíbe os seus membros de serem remunerados por quaisquer cargos que possam desempenhar naquele órgão. E, conforme parecer da CCR-Norte, emitido em 1997 pela Dr.ª Lídia Ramos, “uma vez que o n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, apenas confere direito a senhas de presença aos eleitos locais que não se encontrem em regime de perma­nência ou de meio tempo quando participarem em reuniões do respectivo órgão (e das comissões a que compareçam)”, os membros das Assembleias Distritais encontram-se, igualmente, impedidos de as receber.

 (1) Parecer emitido em 5 de Outubro de 1991, por solicitação da Assembleia Distrital de Lisboa.»

CONTINUA



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